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Jornalismo e Saúde


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As meias verdades do caso Vioxx

Wilson da Costa Bueno*

      A notícia soou como uma bomba no dia 30 de setembro de 2004: a Merck, por decisão própria, e preocupada com a saúde dos seus milhões de clientes em todo mundo, estava retirando do mercado o medicamento Vioxx, líder em vendas (US$2,5 bilhões no ano passado) e indicado para dores intensas, como as derivadas de artrite.
      A decisão, de imediato, segundo os analistas, implicava em enorme prejuízo à companhia, já que o medicamento era responsável por 11% de sua receita. As ações da Merck chegaram a cair 27% na Bolsa de Nova Iorque, o que sinalizava para problemas presentes e futuros.
      A primeira leitura do mercado foi a de que a empresa havia tomado uma medida exemplar. Depois de estudos conduzidos por ela própria, tinha decidido abrir mão dos lucros e ficado ao lado dos seus clientes. Surpreendente, digno de nota.
      Mas ( e sempre há um mas), a história não foi contada por inteiro. O esforço de comunicação e marketing utilizado para divulgar a decisão tentou esconder fatos importantes e que fazem parte da vida curta do Vioxx. Na verdade, conforme relata Barry Meyer, no New York Times, "por anos, acumularam-se indícios de que o analgésico Vioxx poderia aumentar o risco de ataques cardíacos", indícios esses que começaram logo após a aprovação do medicamento , em 1999, pelo FDA (agência federal norte-americana que fiscaliza alimentos e remédios). A própria Merck, em 2000, patrocinou estudo em que essa possibilidade real havia sido detectada, mas os seus autores preferiram exaltar as vantagens do Vioxx em relação ao naproxen, um analgésico tradicional. A FDA , em 2001, exigiu que a Merck incluisse no rótulo um alerta sobre os riscos comprovados de ataque cardíaco e derrame. Em 2003, a Kaiser Permanente, uma organização de saúde independente informou que havia constatado aumento dos riscos de ataques cardíacos e doenças cardiovasculares três vezes superiores à média nos pacientes que tomavam Vioxx em dosagens acima de 25 miligramas. A empresa, repetidamente, contestou os resultados.
      Na semana passada, finalmente, a Merck cedeu às evidências (ela, obviamente, nega que, antes disso, tivesse comprovação dos riscos associados ao Vioxx) e decidiu suspender a sua comercialização em todo o mundo.

As lições do caso Vioxx

      O caso Vioxx, que deverá ter desdobramentos e contribuir para novas informações reveladoras nos próximos dias e meses, traz, de imediato, algumas lições.
      Em primeiro lugar, não se deve jamais confiar na versão de uma empresa que tem grandes interesses a preservar. As empresas farmacêuticas (as exceções confirmam a regra) têm utilizado, muitas vezes, expedientes excusos para manipular a opinião pública e esconder os problemas de seus medicamentos. Um comportamento típico dos integrantes da chamada indústria da saúde.
      O release distribuído pela sua agência de Comunicação, a Burson Marson Marsteller, um das maiores do mundo, é uma peça emblemática deste esforço obsessivo de revelar apenas uma faceta da verdade. O presidente da Merck nele alega que" poderia continuar comercializando o produto, mas que tomou a decisão para favorecer os clientes", o que, convenhamos, é no mínimo uma prova de cinismo. O release tentou desqualificar todos os estudos anteriores, como se não fossem sérios, talvez tentando convencer-nos de que só a própria fabricante tem condições de dizer se o produto é ruim ou não.
      Em segundo lugar, é preciso levar em conta de que os investimentos dos laboratórios em P& D costumam ser menores do que em marketing e que boa parte do esforço de divulgação do segmento está voltado não para esclarecer a opinião pública, mas para induzi-la a consumir os seus produtos. Basta consultar a pesquisa sobre propaganda de meedicamentos realizada pela ANVISA no Brasil onde está registrado o número absurdo de casos de desrespeito à legislação . Basta levantar também o número de processos a que tem sido submetidos os laboratórios pela prática da propaganda enganosa.
      Finalmente, um alerta para a imprensa, que costuma tratar lançamentos de medicamentos como marketing. Talvez seja chegada a hora de rever esta conduta , deixando de propagar, sem espírito crítico, produtos cuja eficácia não estejam ainda devidamente comprovada. A divulgação de medicamentos, num país onde se compra remédios sem receita e onde há uma cultura voltada para a auto-medicação, costuma ser socialmente irresponsável.
      Em tempo: na sexta-feira, pela manhã, portanto um dia após o anúncio da retirada do Vioxx, o autor deste artigo, na disciplina de Jornalismo e Saúde, ministrada a alunos da ECA/USP, comentou o caso, sem ter ainda maiores referências, a não ser a versão oficial da empresa. Foi cauteloso na análise do noticiário e fez a advertência: precisamos acompanhar a evolução dos acontecimentos. Não tem sido normal esta conduta para um laboratório farmacêutico e talvez se possa até descobrir que a retirada foi feita muito depois do conhecimento dos riscos reais do medicamento. Infelizmente , estava certo.
      Conforme matéria de Barry Meyer, do New York Times, publicado pela Folha de S. Paulo: "Na quinta-feira (dia 30 de setembro), alguns pesquisadores que estudam o Vioxx há muito tempo se declararam surpresos com o fato de que tenha demorado tanto para que a decisão de eliminá-lo fosse tomada". "É um terrível testemunho quanto ao poder de marketing", disse Jerry Avorn, diretor da divisão de pesquisa do Brigham and Women´s Hospital,em Boston. A matéria conclui com a afirmação de David Campen, diretor de informação e utilização de medicamentos e informações médicas no Kaiser (a mesma organização que havia denunciado em 2002 os riscos do Vioxx):" os resultados clínicos do estudo da Merck foram apenas mais um tijolo na muralha de provas contra o Vioxx."
      A Merck talvez tenha tentando repetir o sucesso do case do Tylenol, ainda paradigma na Comunicação Empresarial, mas fracassou por completo. Não há , felizmente, agência de Relações Públicas, por mais competente que seja, que consiga , na sociedade da informação, esconder a verdade por muito tempo. Nesse caso, as outras meias verdades (a empresa relevou apenas as suas) vieram à tona rápido demais. Azar da Merck . Sorte da Comunicação Empresarial, que deve ter aprendido a lição.

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
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