Wilson da Costa Bueno*
O diagnóstico é rápido
e cruel: a mídia brasileira está claudicando
há um bom tempo na cobertura da saúde. A falta
de capacitação profissional, a absoluta ausência
de uma perspectiva crítica e a relação
muitas vezes promíscua com a chamada indústria
da saúde tem provocado distorções importantes
e, consequentemente, penalizado a sociedade
.
Na verdade, a mídia não domina verdadeiramente
os conceitos básicos da área, a começar
pelo próprio conceito de saúde, entendido
de forma restrita e equivocada, porque apoiado em uma visão
positivista.
Na prática, a imprensa defende a tese de que é
possível reduzir todas as doenças a uma causa
orgânica objetiva, ampliada agora com as novas descobertas
da genômica. Neste contexto, ela acaba legitimando
o distanciamento entre médico e paciente (visível
na Medicina moderna), adere à tecnificação
do processo de tratamento e cura (instrumentos de diagnóstico
e remédios) e valoriza a hiperespecialização,
ignorando a relação saudável das partes
com o todo.
A imprensa renega um dado insofismável: há
uma relação estreita entre o ecossistema (social,
cultural, psicológico) em que se insere o paciente
e o surgimento de determinadas patologias, sugerindo que
o profissional de saúde e de imprensa olhem além
do doente, se quiserem, efetivamente, contribuir para a
sua cura.
A crítica básica à medicina tradicional,
deixada de lado pela imprensa, tem a ver com o fato de que
ela se empenha, equivocadamente, em excluir o social, em
apoiar-se, fundamentalmente, no biológico, como se,
desta forma, pudesse agregar maior cientificidade às
suas teorias e práticas. A imprensa fecha questão
com esta visão desatualizada e, com isso, favorece
e consolida o processo de mercantilização
da saúde, o chamado capitalismo médico.
A imprensa precisa assumir rapidamente o conceito de promoção
da saúde que rejeita a concepção de
doença como fatalidade natural que deve ser enfrentada,
prioritariamente, a partir de soluções técnico-científicas.
Para os que defendem este novo olhar, é fundamental
não perceber a saúde como ausência de
doença , mas como resultado de um conjunto de fatores
ou recursos que inclui a educação, as condições
de moradia e de alimentação, a renda, o meio
ambiente, a justiça social e inclusive a paz.
Neste sentido, a saúde é percebida como virtude
ou atributo a ser perseguido também por ações
e esforços que se situam fora do estrito campo da
saúde (hospitais, clínicas particulares, rede
de assistência oficial, laboratórios etc) e
se articula de forma mais ampla com aspectos sócio-culturais,
econômicos, políticos etc.
Para ampliar o debate e alargar o foco de cobertura, é
fundamental que se multipliquem os protagonistas, ou seja
que as decisões sobre saúde não se
limitem aos representantes da chamada ordem médica.
É indispensável um dialógo profícuo
com outras competências e saberes. A promoção
da saúde exige uma comunicação capaz
de integrar olhares múltiplos, plurais, que aglutine
representantes da área da saúde mas também
sociólogos, antropólogos, psicólogos,
especialistas em meio ambiente, administradores e comunicadores
profissionais (jornalistas, relações públicas
e publicitários) dentre muitos outros. Sem esta pluralidade,
a tendência é que a comunicação
e o jornalismo focados na saúde continuem priorizando
a doença, contemplando-a de maneira reducionista
como resultado do mau funcionamento de órgãos
e da ação de microorganismos patogênicos.
A comunicação comprometida com a promoção
da saúde precisa redesenhar o papel desempenhado
pelos canais de relacionamento com a sociedade. Na prática,
isso significa uma autocrítica severa dos profissionais
de comunicação que atuam na mídia,
reféns de fontes oficiais e de lobbies ilegítimos,
em ambos os casos comandados por interesses políticos
excusos e interesses comerciais inescrupulosos.
É imprescindível que a comunicação
para a saúde descubra e consolide novos espaços
de promoção, como a imprensa sindical, a imprensa
empresarial e, particularmente, que sejam estabelecidas
parcerias com os movimentos sociais e as representações
legítimas do Terceiro Setor. Esta comunicação
participativa e democrática deve abranger, nos veículos,
não apenas as editorias de ciência e de saúde
mas, de maneira transversal, dialogar com as editorias de
cidades, de política, de meio ambiente, de agribusiness
e assim por diante. A comunicação para a promoção
da saúde deve permear todas as instâncias de
divulgação, buscando reforçar este
novo conceito a partir da articulação de informações/opiniões
que estejam associadas às várias áreas
de cobertura. Não faz sentido preservar a situação
atual que aprisiona a cobertura da saúde a páginas
ou matérias especiais nas quais se repetem velhos
equívocos, como o de dirigir o foco para doenças
, surtos epidêmicos e de não percebê-los
como fruto de fatores extra-sanitários.
Finalmente, a comunicação para a promoção
da saúde deve pautar-se pela conduta ética
irrepreensível, reordenando a relação
entre médicos e laboratórios, que configura,
em boa parte dos casos, uma parceria em favor do capital;
deve capacitar-se para a conscientização de
profissionais e agências de comunicação,
hoje, muitas vezes, a serviço de monopólios,
através da manipulação de informações
e de mentes que visa ludibriar os consumidores, tidos como
meros clientes. Os desvios éticos em nome do lucro
são cada vez mais freqüentes no campo da saúde,
exatamente porque esta visão mercantilista põe
por terra todo o esforço de humanização.
O jornalismo para a saúde continua vendendo a idéia
de que a dengue se combate com o combate feroz ao mosquito,
que a impotência sexual é algo que se supera
com pílulas azuis e que a questão dramática
da saúde pública se resolve apenas com a construção
de hospitais e a reforma do ensino médico. Infelizmente,
o problema é mais complexo e merece um debate e uma
solução mais abrangentes. Certamente, há
um remédio para este mal de que padece a imprensa,
mas ele não é vendido em farmácia.
O princípio ativo deste medicamento é a vontade
política, a qualificação profissional,
a ética e um basta sonoro ao capitalismo médico.