Remédios em todos
os tempos, sempre foram retirados do mercado, mas agora
parece que virou febre (lembra recall de montadora, todo
dia tem um). A mais recente retirada foi o Zelnorm da Novartis
(no Brasil, ele é vendido com a marca Zelmac), indicado
para o tratamento da síndrome do intestino irritável
e da constipação intestinal.
A FDA, órgão
que regulamenta e fiscaliza a comercialização
de medicamentos, pediu e a empresa concordou em suspender
a venda nos Estados Unidos após descobrir que pessoas
que usaram o medicamento tiveram mais ataques cardíacos
e acidentes vasculares cerebrais do que as que tomavam placebo.
A Novartis, como era de esperar, defende a eficácia
(e a segurança) de seu medicamento ( todos os laboratórios
fazem o mesmo em processos similares, mesmo quando são
indiscutíveis os riscos para os seus consumidores)
e espera que a decisão seja revertida.
O Zelnorm é comercializado
em mais de 50 países e a empresa faturou mais de
560 milhões de dólares em 2006 com sua venda
(a maior parte nos EUA). No Brasil, por enquanto o produto
continua sendo vendido e a recomendação é
de que os pacientes continuem utilizando o produto (na verdade,
a descontinuidade em muitos casos é mesmo problemática
para os pacientes).
Embora tenhamos que esperar
o final do episódio (e ele até pode ser favorável
à empresa), é importante destacar que o FDA
sabidamente sofre assédio da indústria farmacêutica
e tem liberado medicamentos que, logo após o seu
lançamento, se mostram prejudiciais à saúde.
Basta rememorarmos o caso do Vioxx, da Merck, um medicamento
com danos gravíssimos para a saúde (a empresa
se defende de centenas, talvez milhares, de processos nos
EUA) e que, além de ter sido liberado para venda
( prova inconteste de que o FDA é bastante falível),
permaneceu no mercado mesmo após as evidências
de sua ação negativa.
O número de medicamentos
retirados do mercado nos últimos 3 anos indica que
os critérios do FDA são mesmo bastante falhos
e que seria ingenuidade acreditar, como insinuam os representantes
da indústria farmacêutica, que ele seja mesmo
independente. O lobby da Big Pharma é poderoso em
todo o mundo e , particularmente nos EUA, a indústria
farmacêutica investe maciçamente em marketing/propaganda
e tem defensores leais no Governo e no parlamento. É
tão isento como o Bush (há uma história
mal contada que envolve o pai do presidente norte-americano
e a indústria farmacêutica, você sabia?)
O fato de, muitas vezes,
a decisão de retirada do medicamento ter sido tomada
pelos próprios laboratórios não significa
que exista sempre, por parte deles, uma preocupação
com o consumidor. Na verdade, embora seja este o argumento
utilizado pelas agências de propaganda/comunicação
ou Relações Públicas a seu serviço,
geralmente nada há de espontâneo ou de socialmente
responsável nesse aparente gesto de cidadania. No
caso do Vioxx, por exemplo, a retirada ocorreu após
grande pressão de especialistas, entidades e do mercado
, ou seja quando a Merck chegou à conclusão
de que não seria vantagem mantê-lo nas prateleiras.
A divulgação da retirada foi um grande teatro
(a empresa tentou proclamar-se socialmente responsável)
mas, imediatamente após o anúncio, multiplicaram-se
as denúncias de que há algum tempo ela já
sabia dos problemas que o Vioxx acarretava para os que o
consumiam por um período mais longo. Preferiu mantê-lo
no mercado (a receita era de bilhões anualmente com
a venda do medicamento) e presentear os seus investidores
com dividendos Eles a puniram quando o produto saiu de circulação.
“Money” e saúde nem sempre combinam,
não é verdade?
Aqui e lá fora a fiscalização
é falha e lenta e a cumplicidade de Governos e parlamentares
(financiados pela indústria da saúde) impede
que medidas sejam tomadas para coibir esses abusos. Há
medicamentos proibidos lá fora e liberados no Brasil
e as pressões para que isso aconteça não
têm como origem apenas os fabricantes.
O problema maior é
que as penalidades são menores no Brasil ou mesmo
nunca aplicadas e, por isso, a indústria da saúde
“deita e rola” em solo pátrio. Há
relações espúrias e promíscuas
em todas as esferas e a Big Pharma se vale delas para aumentar
os seus lucros.
As exceções
(sempre existem as exceções) apenas confirmam
a regra. Vale a pena, no entanto, ficar de olho nas ações
destas corporações gigantescas, que aumentam
abusivamente os preços e choramingam nos corredores
de Brasília; vale a pena acompanhar as remessas de
lucros e fiscalizar estratégias de marketing (algumas
nem merecem esse nome) que envolvem laboratórios,
redes de farmácias e mesmo profissionais da saúde.
Preste mais atenção quando visitar determinados
consultórios e clínicas e perceberá
com mais facilidade a extensão desta promiscuidade.
Você já tinha notado, fale a verdade!
Se você não
assistiu ainda ao filme O Jardineiro Fiel,
talvez devesse dar uma olhadinha. Pode ter certeza de uma
coisa: nesse caso, a ficção é menos
dramática do que a própria realidade. A Big
Pharma joga mesmo pesado pra valer.
Em tempo: o fato de a Novartis sair ganhando no
caso Zelnorm não muda o cenário aqui apresentado.
As empresas não cometem erros todas as vezes: seria
contraproducente para o seu lucrativo negócio. E
falando nisso, você já ouviu falar no caso
BioAmazônia? Consulte na Web ou pergunte para o ex-ministro
do Meio Ambiente, o filho do ex-presidente José Sarney.
Vai ajudar você a entender melhor como a Big Pharma
funciona. Entre o discurso e a prática, existe um
descompasso enorme. Não há medicamento que
consiga preencher esta lacuna ética.