Ano I - Nº 01 - Abril de 2007

:: Quem fiscaliza aqueles que fiscalizam os remédios?

 

     Remédios em todos os tempos, sempre foram retirados do mercado, mas agora parece que virou febre (lembra recall de montadora, todo dia tem um). A mais recente retirada foi o Zelnorm da Novartis (no Brasil, ele é vendido com a marca Zelmac), indicado para o tratamento da síndrome do intestino irritável e da constipação intestinal.

     A FDA, órgão que regulamenta e fiscaliza a comercialização de medicamentos, pediu e a empresa concordou em suspender a venda nos Estados Unidos após descobrir que pessoas que usaram o medicamento tiveram mais ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais do que as que tomavam placebo. A Novartis, como era de esperar, defende a eficácia (e a segurança) de seu medicamento ( todos os laboratórios fazem o mesmo em processos similares, mesmo quando são indiscutíveis os riscos para os seus consumidores) e espera que a decisão seja revertida.

     O Zelnorm é comercializado em mais de 50 países e a empresa faturou mais de 560 milhões de dólares em 2006 com sua venda (a maior parte nos EUA). No Brasil, por enquanto o produto continua sendo vendido e a recomendação é de que os pacientes continuem utilizando o produto (na verdade, a descontinuidade em muitos casos é mesmo problemática para os pacientes).

     Embora tenhamos que esperar o final do episódio (e ele até pode ser favorável à empresa), é importante destacar que o FDA sabidamente sofre assédio da indústria farmacêutica e tem liberado medicamentos que, logo após o seu lançamento, se mostram prejudiciais à saúde. Basta rememorarmos o caso do Vioxx, da Merck, um medicamento com danos gravíssimos para a saúde (a empresa se defende de centenas, talvez milhares, de processos nos EUA) e que, além de ter sido liberado para venda ( prova inconteste de que o FDA é bastante falível), permaneceu no mercado mesmo após as evidências de sua ação negativa.

     O número de medicamentos retirados do mercado nos últimos 3 anos indica que os critérios do FDA são mesmo bastante falhos e que seria ingenuidade acreditar, como insinuam os representantes da indústria farmacêutica, que ele seja mesmo independente. O lobby da Big Pharma é poderoso em todo o mundo e , particularmente nos EUA, a indústria farmacêutica investe maciçamente em marketing/propaganda e tem defensores leais no Governo e no parlamento. É tão isento como o Bush (há uma história mal contada que envolve o pai do presidente norte-americano e a indústria farmacêutica, você sabia?)

     O fato de, muitas vezes, a decisão de retirada do medicamento ter sido tomada pelos próprios laboratórios não significa que exista sempre, por parte deles, uma preocupação com o consumidor. Na verdade, embora seja este o argumento utilizado pelas agências de propaganda/comunicação ou Relações Públicas a seu serviço, geralmente nada há de espontâneo ou de socialmente responsável nesse aparente gesto de cidadania. No caso do Vioxx, por exemplo, a retirada ocorreu após grande pressão de especialistas, entidades e do mercado , ou seja quando a Merck chegou à conclusão de que não seria vantagem mantê-lo nas prateleiras. A divulgação da retirada foi um grande teatro (a empresa tentou proclamar-se socialmente responsável) mas, imediatamente após o anúncio, multiplicaram-se as denúncias de que há algum tempo ela já sabia dos problemas que o Vioxx acarretava para os que o consumiam por um período mais longo. Preferiu mantê-lo no mercado (a receita era de bilhões anualmente com a venda do medicamento) e presentear os seus investidores com dividendos Eles a puniram quando o produto saiu de circulação. “Money” e saúde nem sempre combinam, não é verdade?

     Aqui e lá fora a fiscalização é falha e lenta e a cumplicidade de Governos e parlamentares (financiados pela indústria da saúde) impede que medidas sejam tomadas para coibir esses abusos. Há medicamentos proibidos lá fora e liberados no Brasil e as pressões para que isso aconteça não têm como origem apenas os fabricantes.

     O problema maior é que as penalidades são menores no Brasil ou mesmo nunca aplicadas e, por isso, a indústria da saúde “deita e rola” em solo pátrio. Há relações espúrias e promíscuas em todas as esferas e a Big Pharma se vale delas para aumentar os seus lucros.

     As exceções (sempre existem as exceções) apenas confirmam a regra. Vale a pena, no entanto, ficar de olho nas ações destas corporações gigantescas, que aumentam abusivamente os preços e choramingam nos corredores de Brasília; vale a pena acompanhar as remessas de lucros e fiscalizar estratégias de marketing (algumas nem merecem esse nome) que envolvem laboratórios, redes de farmácias e mesmo profissionais da saúde. Preste mais atenção quando visitar determinados consultórios e clínicas e perceberá com mais facilidade a extensão desta promiscuidade. Você já tinha notado, fale a verdade!

     Se você não assistiu ainda ao filme O Jardineiro Fiel, talvez devesse dar uma olhadinha. Pode ter certeza de uma coisa: nesse caso, a ficção é menos dramática do que a própria realidade. A Big Pharma joga mesmo pesado pra valer.

Em tempo: o fato de a Novartis sair ganhando no caso Zelnorm não muda o cenário aqui apresentado. As empresas não cometem erros todas as vezes: seria contraproducente para o seu lucrativo negócio. E falando nisso, você já ouviu falar no caso BioAmazônia? Consulte na Web ou pergunte para o ex-ministro do Meio Ambiente, o filho do ex-presidente José Sarney. Vai ajudar você a entender melhor como a Big Pharma funciona. Entre o discurso e a prática, existe um descompasso enorme. Não há medicamento que consiga preencher esta lacuna ética.

 
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