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Novidades
da Ciência em Science e Ciência Hoje
Sônia Schena Bertol*
Resumo
O
presente trabalho de pesquisa dedicou-se a examinar artigos de
divulgação científica publicados em veículo de comunicação primária
(interpares) e comunicação intermediária (público relativamente
informado), respectivamente Discrete Coding of Reward Probability
and Uncertainty by Dopamine Neurons, publicado na revista
Science, e Apostas no Macaco, publicado na revista
Ciência Hoje. No trânsito intersemiótico entre os dois
textos, diversas constatações puderam ser inferidas, bem como
foi reforçada a importância da Teoria da Informação tanto para
as normas da ciência quanto da sua divulgação.
Palavras-chave
: Divulgação científica, Semiótica, Teoria da Informação
Introdução
O
emprego de variadas estratégias comunicacionais na informação
aos diversos públicos sobre as descobertas científicas, vem sendo
referendado como um fator imprescindível ao desenvolvimento e
emancipação dos povos. Na especificidade dos temas médicos, vê-se
da mesma forma a necessidade cada vez maior de contar com o aparato
teórico e prático da Comunicação na divulgação de todos os temas
de interesse da população, sem o que torna-se praticamente impossível
motivar e conscientizar pessoas e/ou massas populacionais nos
dias de hoje.
Assim,
desde a década de 70 vêm emergindo disciplinas que procuram dar
conta deste temário, com denominações como Comunicação na Ciência,
Comunicação Científica e Comunicação da Saúde, cujos programas
curriculares dedicam-se a esclarecer, através de diversos enfoques
teóricos, como deve-se compreender e operacionalizar a comunicação
científica, seja ela feita entre os cientistas, interpares
a chamada comunicação primária, entre os cientistas e os jornalistas
a comunicação secundária, ou um meio termo entre ambas,
a comunicação intermediária quando o público visado não
é tão leigo sobre determinado tema.
São
consideradas neste processo todas as especificidades a que estão
sujeitos tanto os cientistas quanto os divulgadores na consecução
de seus objetivos; é fundamental conhecer e compreender como suas
normas, bases conceituais, ética e tempos, entre outros aspectos,
podem adquirir significados opostos. No embate entre o modo de
operar destas duas categorias profissionais, o prejudicado pode
ser o público, ao não tomar conhecimento ou tomar conhecimento
de forma distorcida, de descobertas científicas que poderiam lhe
trazer saúde, bem-estar, desenvolvimento auto-sustentável, entre
outros benefícios. Mas ainda inúmeros obstáculos podem ser encontrados
na comunicação da ciência, entre eles os próprios preconceitos
existentes dos cientistas em relação aos jornalistas e vice-versa.
Na
literatura que detém-se sobre este objeto, entretanto, é possível
encontrar inúmeros relatos de pessoas e comunidades que passaram
a adotar estilos de vida mais saudáveis, através da recepção de
mensagens que uniram a comunicação e a ciência, ou a comunicação
e a saúde.
Com
o auxílio da Teoria Semiótica e da Teoria da Informação, tentaremos
desvendar significados intersemióticos entre o texto de divulgação
primária publicado no número de 21/03/03, pp. 1.898-1.902 da revista
Science, editada pela AAAS (American Association for
the Advancement of Science), sob o título "Codificação
distinta de probabilidade e incerteza de recompensa pelos neurônios
dopamina", e o texto de divulgação intermediária publicado
na revista Ciência Hoje, revista mensal de divulgação científica
de pesquisas nacionais destinada a alunos de segundo grau, professores
e público em geral, de maio de 2003, que teve como fonte o artigo
referido da revista Science e recebeu o título de "Apostas
no macaco".
Neurônios
dopamina, jogos de azar, excitação mental, reflexo condicionado
O
pesquisadores da Universidade de Cambridge (Reino Unido), cujo
estudo serviu como fonte para o artigo da revista Science,
verificaram as reações que os neurônios dopamina apresentaram,
frente à probabilidade e incerteza de recompensa. Eles são considerados
uma espécie de neurotransmissores do sistema nervoso central,
além de precursores naturais da adrenalina e da noradrenalina.
No caso da doença de Parkinson, por exemplo, é citada a deficiência
de dopamina em áreas cerebrais relacionadas com o movimento voluntário.
Assim
como nos jogos de azar, no quais o jogador não sabe se vai ganhar
ou perder na roleta, por exemplo, os estudiosos de Cambridge utilizaram
macacos para verificar suas reações frente recompensas ("ganhar")
, a falta delas e a incerteza se viriam ou não ("perder").
O estado de excitação mental dos macacos na expectativa de recompensas
assemelha-se ao estado subjacente ao jogador compulsivo, verificado
através dos níveis de dopamina apresentados. Para os pesquisadores
(2003, p. ), o comportamento de jogar é definido pela incerteza
de recompensa e prevalece em muitas culturas. Os animais apresentam
um comportamento potencialmente relacionado, preferindo a variável
a programas de recompensa fixos.
A
compulsão por jogos de azar vem sendo explicada como uma tentativa
de lidar com os distresses da vida cotidiana, e também pode se
dar por uma substância como comida, cigarro, álcool, drogas, medicamentos,
compras ou sexo, na tentativa de aliviar tensões e ansiedades.
Quando a compulsão torna-se irresistível, é considerada um vício.
Segundo os especialistas, o vício de jogar apostando dinheiro
atinge entre 1 a 4% da população mundial, índice considerado alto
e preocupante. Dos jogadores considerados patológicos, ¾ são homens
e ¼ são mulheres, que se viciam mais rapidamente do que os homens
e preferem o bingo, enquanto os homens preferem as corridas de
cavalo e carteado. Em alguns casos, o problema pode começar na
adolescência ou mesmo na velhice, mas a grande maioria das pessoas
que iniciam a compulsão têm a média de idade entre 38 e 46 anos.
O aumento do jogo patológico ocorre quando as pessoas têm acesso
aos jogos de azar: o jogador patológico está sempre envolvido
em apostas em dinheiro e não em simples divertimentos como videogame,
xadrez ou dama. Ainda não existe tratamento medicamentoso para
combater a compulsão.
Da
mesma forma que os jogadores compulsivos, os macacos utilizados
na pesquisa não sabiam quando iriam e se iriam receber recompensas,
o que caracteriza a base do procedimento como o mesmo utilizado
no final do século XIX e início do século XX pelo fisiologista
russo Ivan Pavlov (1849-1936) que, ao estudar a fisiologia do
sistema gastrointestinal, fez uma das grandes descobertas científicas
da atualidade: o reflexo condicionado. Pavlov inaugurou a psicologia
científica e uniu-a à neurofisiologia, tendo recebido o prêmio
Nobel em 1904.
Sua
experiência clássica é a que utiliza o cão, a campainha e a salivação
à vista de um pedaço de carne. Apresentando-se um pedaço de carne
ao cão, sua visão e olfação provocam salivação no animal. Acrescentando-se
um estímulo sonoro e em seguida mostrando-lhe o pedaço de carne,
dando-a ao cão, fazendo isso repetidas vezes, depois de certo
número de vezes o simples tocar da campainha provoca-lhe salivação.
A campainha torna-se sinal de que a carne virá depois. Um estímulo
sonoro passou a provocar modificações digestivas, e Pavlov e seus
seguidores perceberam que o condicionamento era muito poderoso
no sentido de alterar funções orgânicas, abrindo um enorme campo
de estudos.
Através
do que ficou conhecido com a Teoria Pavloviana da Atividade
Nervosa Superior, Pavlov e seus ajudantes são considerados
como os primeiros pesquisadores a integrar os estudos da psicologia
do aprendizado com a análise experimental da função cerebral.
Eles mostraram que os reflexos condicionados se originam no córtex
cerebral, distribuidor primário e organizador de todas as funções
do organismo.
O
condicionamento pavloviano foi empregado na experiência dos pesquisadores
de Cambridge com o objetivo de medir os níveis de dopamina no
cérebro dos macacos, que foram distribuídos em três grupos: no
primeiro, o macaco recebia a recompensa a cada quatro estímulos
(25%); no segundo grupo, recebia a recompensa três vezes em quatro
(75%); no último, recebia uma em duas vezes (50%). O macaco mais
indefinido quanto à recompensa apresentou um nível de dopamina
que indicou um alto grau de excitação.
Teoria
da Informação e Semiótica
Segundo
os fundamentos da Teoria da Informação, preconiza-se que a informação
máxima ocorre quando apresentam-se determinados eventos independentes
entre si; e que no estado caótico estaria a máxima informação.
EPSTEIN (2003, P. 259) lembra que
A
Teoria da Informação (TI) ou Teoria Matemática da Comunicação,
assim denominada por seu criador Claude Shannon (SHANNON &
WEAVER, 1975), foi formulada como uma teoria matemática destinada
a auxiliar a solução de certos problemas de otimização do custo
da transmissão de sinais. Sua definição de quantidade de informação
ou redução de incerteza é axiomática e equacionada a partir de
dois conceitos matemáticos: a probabilidade e a função logarítmica.
Na
tentativa de interpretarmos as estratégias discursivas utilizadas
no artigo que tomamos como exemplo de comunicação interpares,
podemos inferir no próprio título utilizado uma menção à Teoria
da Informação: Codificação distinta de probabilidade e incerteza
de recompensa pelos neurônios dopamina. Se os termos probabilidade
e incerteza foram utilizados para aludir a recompensa
e aqui podemos recordar as teorias de Pavlov citadas anteriormente,
também trazem consigo uma significação que remete às premissas
da Teoria da Informação. Para EPSTEIN (2003, p. 260) A quantidade
de informação definida pela TI é proporcional à medida de redução
de incerteza produzida pela recepção de um sinal. Esta redução
é, por sua vez, inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência
deste sinal, isto é, de sua freqüência. Em suma, quanto mais freqüente
um sinal, menos informativo.
Se
os macacos utilizados na experiência de Cambridge foram submetidos
a um condicionamento de seus reflexos, também podemos afirmar
que na tentativa de avaliar os níveis de neurônios dopamina produzidos
no cérebro destes animais foram aproveitados ensinamentos derivados
da Teoria da Informação, como constatamos no exemplo abaixo (SCIENCE,
21/03/2003, p. 1898):
O
cérebro continuamente faz predições e compara resultados (ou dados)
com aquelas predições. As predições estão fundamentalmente ocupadas
com a probabilidade de que um evento vá ocorrer dentro de um período
de tempo especificado. É apenas através de uma rica representação
de probabilidades que um animal pode inferir a estrutura de seu
meio e formar associações entre eventos correlacionados. Evidência
substancial indica que os neurônios dopamina do mesencéfalo ventral
do primata codificam erros na predição de recompensa. No caso
simplificado em que a quantidade e o tempo em que ocorre a recompensa
são mantidos constantes, o erro de predição é a discrepância entre
a probabilidade P com a qual a recompensa é prevista e o resultado
real (recompensa ou nenhuma recompensa). Desta maneira, se os
neurônios dopamina codificam erro de predição de recompensa, sua
ativação depois da recompensa deveria declinar monotonicamente
na medida em que aumenta a probabilidade de recompemsa. Contudo,
em variando-se a probabilidade de erro dentro de seu âmbito total
(P=0 a 1), um parâmetro fundamentalmente distinto é introduzido.
A incerteza é máxima em P=0,5 mas ausente nos dois extremos (P=0
e 1) e é crucial em avaliar a exatidão de uma predição. Nós examinamos
a influência da probabilidade e incerteza de recompensa na atividade
dos neurônios dopamina de primatas.
Consideramos
que a Teoria da Informação também pode ser empregada nesta nossa
reflexão no que se refere à divulgação científica propriamente
dita, tanto no artigo primário (Science) quanto no intermediário
(Ciência Hoje), para nos auxiliar a compreender diferenças pontuais
entre a ciência feita e a ciência em se fazendo.
Do ponto de vista científico, ainda faz-se necessário confirmar
estes eventos ora empreendidos em Cambridge (SCIENCE, 21/03/2003),
o que ganha visibilidade em termos como sugere, possível, evidência
substancial indica, tendeu a, possa ter sido, indicando que, parece
estar relacionada, dados indicam que, levanta a possibilidade
de que, resultados presentes sugerem que, poderia agir, poderia
mediar... Em nosso texto de divulgação científica intermediária
(CIÊNCIA HOJE, maio de 2003), parece-nos que as incertezas quanto
aos experimentos foram resguardadas, sendo evidenciadas em termos
como poderão ajudar, poderá também levar, indicaram, parece
ser apenas parcialmente verdadeiro, a continuidade das pesquisas
nessa área ajudará a compreender melhor, além do próprio título:
Apostas no macaco. Em suma, são eventos que apontam
para determinadas evidências, as quais ainda necessitam de confirmação.
Assim, tanto no que se refere ao experimento em si quanto na sua
divulgação na forma primária e intermediária, concordamos com
EPSTEIN (1997, P. 25) quando afirma que A teoria da informação
apenas permite computar o valor da quantidade de informação correlata
á raridade relativa do sinal ou evento em relação ao repertório
supostamente conhecido de eventos ou sinais.
De
outro lado, partimos da tradução intersemiótica, conceito
cunhado por JAKOBSON (1969, p. 139) para designar as modificações
que sofre o discurso que expressa o mesmo fato em universos cognitivos
diversos, para nos determos no modelo teórico preconizado por
HJELMSLEV (1971) e retomado por BARTHES (1971), na identificação
de elementos retóricos na tradução da comunicação primária
para a intermediária.
Para
Roland BARTHES (1997) , qualquer sistema de significação comporta
um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C), sendo que
a significação coincide com a relação (R) entre os dois planos:
E R C. Na hipótese de que este sistema se transforme no elemento
de um segundo sistema, teremos dois sistemas de significação,
conectados um ao outro, mas também independentes, um em relação
ao outro. Assim ocorre com nossos artigos de comunicação primária
e intermediária, sendo anexos um ao outro, mas ao mesmo tempo
autônomos. BARTHES (1997, P. 95), entretanto, afirma que a autonomia
entre os dois sistemas de significação pode ocorrer de duas maneiras
diferentes, segundo o ponto de inserção do primeiro sistema
no segundo, dando lugar assim a dois conjuntos opostos. Ele
explica que:
No
primeiro caso, o sistema (E R C) torna-se o plano de expressão
ou significante do segundo sistema:
2
E
R
C
1
ERC
ou
ainda: (E R C) R C. Trata-se do que Hjelmslev chama Semiótica
conotativa; o primeiro sistema constitui então o plano de denotação
e o segundo sistema (extensivo ao primeiro) o plano de conotação.
Por
conotação podemos entender como aquelas idéias e associações
que se somam ao sentido original de uma palavra ou expressão,
para que sejam complementadas ou para que seja mais precisa a
sua aplicação num determinado contexto. Tudo aquilo que podemos
atribuir a uma palavra para além do seu sentido imediato e dentro
de certa lógica discursiva, entra no domínio da conotação.
Já
a denotação pode ser compreendida como aquilo a que uma
palavra ou expressão se aplica no seu stricto sensu. Normalmente
opõe-se à conotação e é muitas vezes tomada como o sentido
literal de uma palavra, tendo sua definição corrente como "a
palavra em estado de dicionário", mas devemos sempre levar
em conta o seu uso num contexto particular, bem como que sua concretização
cultural pode ultrapassar o limiar da expressão lingüística.
Segundo
BARTHES (1977, p. 359), em literatura, que é uma ordem da conotação,
não há questão pura: uma questão nunca é senão a sua própria resposta
esparsa, dispersa em fragmentos entre os quais o sentido funde
e foge simultaneamente.
Louis
HJELMSLEV (1971) introduziu o conceito de conotação na discussão
lingüística, para aludir à capacidade que qualquer signo lingüístico
tem de receber novos significados, que se agregam ao sentido original,
tomando este como referência contida nos dicionários, por exemplo.
ECO (2003, p. 387) lembra que, Segundo Hjelmslev, além das
línguas naturais, dever-se-iam individuar outros sistemas de signos
(traduzíveis em seguida no sistema da língua natural), e esses
sistemas seriam semióticas. As semióticas dividir-se-iam em denotativas
e conotativas. E Roland BARTHES (1997) introduziu, por sua
vez, no âmbito da semiologia, a idéia de várias ordens de significação
ou níveis de sentido: a primeira ordem de significação é a denotação
(um signo é composto por um significante e por um significado);
a segunda ordem de significação é a conotação (usa-se o primeiro
signo significante mais significado como significante
ao qual se acrescentam outros significados).
Para
Umberto ECO (2003, p. 27), Com base num dado código, um significante
denota, portanto, um significado. A relação de denotação é uma
relação direta e unívoca, rigidamente fixada pelo código; (...)
A relação de conotação se estabelece quando um par formado pelo
significante e pelo significado denotado, conjuntamente, se torna
o significante de um significado adjunto. Ele adverte, entretanto,
que (2003, p. 45) embora ao nível do código denotativo de base
possamos (graças ao controle do contexto e das circunstâncias)
reduzir as hesitações, estas subsistem sem entraves ao nível dos
léxicos conotativos.
Sob
a análise de uma matriz de Comunicação, na qual entende-se que
o discurso científico primário passa a ser uma semiótica denotativa
e o intermediário uma semiótica conotativa, sendo estas comunicações
um processo no qual desdobram-se também as dimensões semióticas,
EPSTEIN (2003, p. 86/87) propõe o seguinte esquema para situarmos
as comunicações primária e secundária:
SE=Significante
SO=Significado
Semiótica
Denotativa
(Sistema
real) |
SE1
= Discurso científico, fórmulas,
enunciados,
teorias |
SO1
= Fenômenos e
suas
inter-relações |
Comunicação
Primária |
Fig.
1
Metalinguagem
SE2 |
SO2
|
HJELMSLEV
, 1975 |
Comunicação
secundária |
|
SE1 |
SO1 |
|
|
Fig.
2
Conotação |
SE3
= Retórica |
SO3= Fragmento de ideologia |
BARTHES, 1974 |
|
SE2 |
SO2 |
|
|
|
|
SE1 |
SO1 |
|
|
Fig.
3
Estamos
considerando nosso texto de divulgação científica publicado pela
revista Science (2003) como próprio de uma semiótica denotativa
(figura 1), no qual todo o procedimento e a conseqüente retórica
utilizada pelos pesquisadores, estão baseados em fatos da ciência
e suas leis, como podemos verificar no seguinte trecho:
Dois
macacos foram condicionados em um procedimento Pavloviano com
estímulos visuais distintos, indicando a probabilidade (P=0; 0,25;
0,5; 0,75 e 1.0) de recompensa líquida sendo fornecida dentro
de um intervalo de 2 segundos. Reações antecipatórias de salivação
durante o intervalo entre o estímulo e a recompensa aumentaram
com a probabilidade de recompensa, indicando que os animais discriminavam
os estímulos comportamentalmente. Entretanto, em nenhuma das probabilidades
intermediárias, houve uma diferença na quantidade de salivação
antecipatória entre as tentativas recompensadas e não recompensadas.
Isto sugere que a expectativa de recompensa não variou significativamente
na base tentativa-a-tentativa como um resultado de o macaco ter
aprendido a programação de recompensa.
Transformando-se
ou "traduzindo-se" num texto de comunicação intermediária,
como o que tomamos como exemplo publicado por Ciência Hoje
(2003), aparece um segundo discurso com características da
função metalingüística (figura 2). E, pela ação da retórica ao
texto primário, no que chamamos tradução intersemiótica,
configura-se a semiótica conotativa (figura 3).
Segundo
SANCHES (2000, P. 379), na tarefa de informar os leitores comuns
a respeito dessa inovação do mundo da ciência, o jornalista de
divulgação científica, procede à tradução intersemiótica dessas
comunicações, para que elas possam ser mais facilmente compreendidas
pelo público. No exemplo particular que estamos analisando
na revista Ciência Hoje, considerado de divulgação intermediária,
a divulgação é feita por um médico que, ao tornar acessível a
linguagem, assinala nela elementos predominantes de conotação.
Sendo médico psiquiatra e pertencendo a um dos dois únicos ambulatórios
públicos que tratam do jogo patológico na capital paulista
Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Universidade
Federal de São Paulo (PROAD Unifesp), maximizou a importância
de um dos pontos apresentados pelos cientistas de Cambridge, impondo
sobre ele um sentido superelevado. De acordo com SANCHES (2003,
p. 373) essa tradução da comunicação primária para a secundária
consiste na decodificação da linguagem científica em linguagem
ordinária, o que permite a detecção de fragmentos do ideário do
divulgador a partir da identificação de significantes retóricos.
O aproveitamento deste ensejo pode ser verificado no trecho:
Estariam
as pessoas aficcionadas aos jogos de azar agindo por uma espécie
de condicionamento bioquímico? Acredita-se que nos seres humanos
a via final comum do reforço e da recompensa no cérebro seja a
via dopaminérgica mesolímbica alguns até a consideram como
o centro do prazer do cérebro e a dopamina como o
neurotransmissor do prazer.
Funções
da linguagem
De
acordo com os objetivos traçados para este nosso estudo, quais
sejam de verificar as estratégias discursivas em artigo de divulgação
científica primária, publicado na revista Science, e em
artigo de divulgação científica intermediária, publicado na revista
Ciência Hoje, originado pelo primeiro, vamos agora nos
deter sobre funções da linguagem. O termo foi cunhado pelos
lingüistas para designar as diversas finalidades as quais os discursos
se prestam. Entre seus estudiosos, Roman Jakobson formou o modelo
mais adotado atualmente, tendo relacionado as funções da linguagem
aos elementos indispensáveis a toda comunicação. EPSTEIN (2003,
p. 151) relembra estas funções apontadas por Jakobson da seguinte
forma:
FUNÇÃO REFERENCIAL
Contexto
(FUNÇÃO EMOTIVA) (FUNÇÃO
POÉTICA) (FUNÇÃO CONATIVA)
remetente
mensagem
destinatário
FUNÇÃO FÁTICA
contato
FUNÇÃO METALINGUÍSTICA
Código
Ao
considerarmos numa primeira análise que a ciência é denotativa,
temos a predominância da função referencial da linguagem
na comunicação primária, considerada a mais comum de todas, voltando-se
para a própria informação e ao contexto. Prevalece na maioria
dos textos, uma vez que a finalidade principal de todo ato de
comunicação é transmitir informações. Do artigo que tomamos como
base, podemos extrair o seguinte trecho para exemplificar (SCIENCE,
2003):
Neurônios
dopamina de áreas do mesencéfalo ventral A8, A9 e A10 foram identificados
unicamente a partir de características eletrofisiológicas descritas
previamente, especialmente o longo formato de onda de seus impulsos
(1.5 a 5.0 ms milésimos de segundo). As análises apresentadas
aqui são para toda a população de neurônios dopamina experimentados,
sem a seleção pela presença de qualquer reação relacionada ao
evento. Os neurônios dopamina (n=188) apresentaram pouca ou nenhuma
reação à recompensa completamente previsível (P=1,0), mas eles
apresentaram as ativações fásicas típicas (8-10) quando a recompensa
era entregue com P<1.0, mesmo depois de muito treinamento.
A
expressão lingüística ultrapassa este limiar quando o sentido
obtido virá através de uma conotação, uso que Jakobson
atribui à função poética da linguagem. No próprio título de nosso
artigo de comunicação intermediária podemos encontrar um exemplo:
Apostas no macaco utiliza uma linguagem persuasiva, diferente
daquela utilizada pelos cientistas para nos trazer convencimento.
Através da persuasão, suplementa-se o sentido da própria mensagem,
como podemos observar no trecho que segue (CIÊNCIA HOJE, 2003):
O
que levaria um indivíduo a tornar-se um jogador patológico? O
que faria com que perdesse o controle diante de um jogo aparentemente
tão inocente como o bingo, que nos lembra as prosaicas quermesses
de igreja?
No
mesmo texto é ainda possível apontar a importância da função fática,
a qual é centrada no contato físico ou psicológico e engloba tudo
o que serve para estabelecer, manter ou cortar contato. São exemplos
disso a diagramação que envolve o título e o desenho de uma cartela
de bingo ao lado a palavra "apostas", somada
à cartela, contém grande significação e denotam plurivocidade,
visando atrair uma audiência. O contrário aparece na linguagem
direta, referencial que encontramos na mensagem do texto da Science,
complementada pelos gráficos e figuras, essencialmente unívoca
e dirigida a uma audiência geralmente cativa.
Considerações
finais
Através
do emprego do referencial teórico da Semiótica, da Teoria da Informação
e das Figuras da Linguagem, pudemos identificar diferentes elementos
nos interstícios de ambos os textos analisados, que nos auxiliaram
a melhor compreender as estratégias discursivas empregadas na
comunicação primária e na comunicação secundária. Além disso,
também ficou clara a diferença existente no modo de comunicar
a ciência do cientista e do divulgador, a qual perpassa a maneira
como os estudos e pesquisas são trazidos aos diferentes públicos.
Referências
bibliográficas
BARTHES, Roland. Elementos de
semiologia. São Paulo: Cultrix, 1997, 15ª. Edição.
ECO, Umberto. A estrutura ausente.
São Paulo: Perspectiva, 2003, 7ª. Edição.
ECO, Umberto. Obra Aberta. São
Paulo: Perspectiva, 2003, 9ª. Edição.
EPSTEIN, Isaac. Divulgação científica:
96 verbetes. São Paulo: Pontes, 2002.
EPSTEIN, Isaac. O signo.
São Paulo: Ática, 2002, 7ª. Edição.
EPSTEIN, Isaac. Os possíveis
efeitos negativos devido à publicação prematura de notícia inesperada
ou "novidade" na divulgação científica em medicina.
O caso da bactéria Chlamydia. In: Comunicação e Sociedade,
São Bernardo do Campo: UMESP, 1997, n. 27.
SANCHES, Conceição. Discursos
midiáticos sobre o Viagra. In: Mídia e Saúde, São Paulo: UNESCO/UMESP,
2001.
Revistas
Science, 21/03/2003, pp.
1.898-1.902.
Ciência Hoje, maio de 2003,
vol. 33, n. 193.
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Sônia Schena Bertol
UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, doutoranda.
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