Volume 1
Número 1

20 de dezembro de 2004
 
 * Edição atual    

          Novidades da Ciência em Science e Ciência Hoje

Sônia Schena Bertol*

          Resumo

          O presente trabalho de pesquisa dedicou-se a examinar artigos de divulgação científica publicados em veículo de comunicação primária (interpares) e comunicação intermediária (público relativamente informado), respectivamente Discrete Coding of Reward Probability and Uncertainty by Dopamine Neurons, publicado na revista Science, e Apostas no Macaco, publicado na revista Ciência Hoje. No trânsito intersemiótico entre os dois textos, diversas constatações puderam ser inferidas, bem como foi reforçada a importância da Teoria da Informação tanto para as normas da ciência quanto da sua divulgação.

          Palavras-chave : Divulgação científica, Semiótica, Teoria da Informação

          Introdução

          O emprego de variadas estratégias comunicacionais na informação aos diversos públicos sobre as descobertas científicas, vem sendo referendado como um fator imprescindível ao desenvolvimento e emancipação dos povos. Na especificidade dos temas médicos, vê-se da mesma forma a necessidade cada vez maior de contar com o aparato teórico e prático da Comunicação na divulgação de todos os temas de interesse da população, sem o que torna-se praticamente impossível motivar e conscientizar pessoas e/ou massas populacionais nos dias de hoje.

          Assim, desde a década de 70 vêm emergindo disciplinas que procuram dar conta deste temário, com denominações como Comunicação na Ciência, Comunicação Científica e Comunicação da Saúde, cujos programas curriculares dedicam-se a esclarecer, através de diversos enfoques teóricos, como deve-se compreender e operacionalizar a comunicação científica, seja ela feita entre os cientistas, interpares – a chamada comunicação primária, entre os cientistas e os jornalistas – a comunicação secundária, ou um meio termo entre ambas, a comunicação intermediária – quando o público visado não é tão leigo sobre determinado tema.

          São consideradas neste processo todas as especificidades a que estão sujeitos tanto os cientistas quanto os divulgadores na consecução de seus objetivos; é fundamental conhecer e compreender como suas normas, bases conceituais, ética e tempos, entre outros aspectos, podem adquirir significados opostos. No embate entre o modo de operar destas duas categorias profissionais, o prejudicado pode ser o público, ao não tomar conhecimento ou tomar conhecimento de forma distorcida, de descobertas científicas que poderiam lhe trazer saúde, bem-estar, desenvolvimento auto-sustentável, entre outros benefícios. Mas ainda inúmeros obstáculos podem ser encontrados na comunicação da ciência, entre eles os próprios preconceitos existentes dos cientistas em relação aos jornalistas e vice-versa.

          Na literatura que detém-se sobre este objeto, entretanto, é possível encontrar inúmeros relatos de pessoas e comunidades que passaram a adotar estilos de vida mais saudáveis, através da recepção de mensagens que uniram a comunicação e a ciência, ou a comunicação e a saúde.

          Com o auxílio da Teoria Semiótica e da Teoria da Informação, tentaremos desvendar significados intersemióticos entre o texto de divulgação primária publicado no número de 21/03/03, pp. 1.898-1.902 da revista Science, editada pela AAAS (American Association for the Advancement of Science), sob o título "Codificação distinta de probabilidade e incerteza de recompensa pelos neurônios dopamina", e o texto de divulgação intermediária publicado na revista Ciência Hoje, revista mensal de divulgação científica de pesquisas nacionais destinada a alunos de segundo grau, professores e público em geral, de maio de 2003, que teve como fonte o artigo referido da revista Science e recebeu o título de "Apostas no macaco".

          Neurônios dopamina, jogos de azar, excitação mental, reflexo condicionado

          O pesquisadores da Universidade de Cambridge (Reino Unido), cujo estudo serviu como fonte para o artigo da revista Science, verificaram as reações que os neurônios dopamina apresentaram, frente à probabilidade e incerteza de recompensa. Eles são considerados uma espécie de neurotransmissores do sistema nervoso central, além de precursores naturais da adrenalina e da noradrenalina. No caso da doença de Parkinson, por exemplo, é citada a deficiência de dopamina em áreas cerebrais relacionadas com o movimento voluntário.

          Assim como nos jogos de azar, no quais o jogador não sabe se vai ganhar ou perder na roleta, por exemplo, os estudiosos de Cambridge utilizaram macacos para verificar suas reações frente recompensas ("ganhar") , a falta delas e a incerteza se viriam ou não ("perder"). O estado de excitação mental dos macacos na expectativa de recompensas assemelha-se ao estado subjacente ao jogador compulsivo, verificado através dos níveis de dopamina apresentados. Para os pesquisadores (2003, p. ), o comportamento de jogar é definido pela incerteza de recompensa e prevalece em muitas culturas. Os animais apresentam um comportamento potencialmente relacionado, preferindo a variável a programas de recompensa fixos.

          A compulsão por jogos de azar vem sendo explicada como uma tentativa de lidar com os distresses da vida cotidiana, e também pode se dar por uma substância como comida, cigarro, álcool, drogas, medicamentos, compras ou sexo, na tentativa de aliviar tensões e ansiedades. Quando a compulsão torna-se irresistível, é considerada um vício. Segundo os especialistas, o vício de jogar apostando dinheiro atinge entre 1 a 4% da população mundial, índice considerado alto e preocupante. Dos jogadores considerados patológicos, ¾ são homens e ¼ são mulheres, que se viciam mais rapidamente do que os homens e preferem o bingo, enquanto os homens preferem as corridas de cavalo e carteado. Em alguns casos, o problema pode começar na adolescência ou mesmo na velhice, mas a grande maioria das pessoas que iniciam a compulsão têm a média de idade entre 38 e 46 anos. O aumento do jogo patológico ocorre quando as pessoas têm acesso aos jogos de azar: o jogador patológico está sempre envolvido em apostas em dinheiro e não em simples divertimentos como videogame, xadrez ou dama. Ainda não existe tratamento medicamentoso para combater a compulsão.

          Da mesma forma que os jogadores compulsivos, os macacos utilizados na pesquisa não sabiam quando iriam e se iriam receber recompensas, o que caracteriza a base do procedimento como o mesmo utilizado no final do século XIX e início do século XX pelo fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936) que, ao estudar a fisiologia do sistema gastrointestinal, fez uma das grandes descobertas científicas da atualidade: o reflexo condicionado. Pavlov inaugurou a psicologia científica e uniu-a à neurofisiologia, tendo recebido o prêmio Nobel em 1904.

          Sua experiência clássica é a que utiliza o cão, a campainha e a salivação à vista de um pedaço de carne. Apresentando-se um pedaço de carne ao cão, sua visão e olfação provocam salivação no animal. Acrescentando-se um estímulo sonoro e em seguida mostrando-lhe o pedaço de carne, dando-a ao cão, fazendo isso repetidas vezes, depois de certo número de vezes o simples tocar da campainha provoca-lhe salivação. A campainha torna-se sinal de que a carne virá depois. Um estímulo sonoro passou a provocar modificações digestivas, e Pavlov e seus seguidores perceberam que o condicionamento era muito poderoso no sentido de alterar funções orgânicas, abrindo um enorme campo de estudos.

          Através do que ficou conhecido com a Teoria Pavloviana da Atividade Nervosa Superior, Pavlov e seus ajudantes são considerados como os primeiros pesquisadores a integrar os estudos da psicologia do aprendizado com a análise experimental da função cerebral. Eles mostraram que os reflexos condicionados se originam no córtex cerebral, distribuidor primário e organizador de todas as funções do organismo.

          O condicionamento pavloviano foi empregado na experiência dos pesquisadores de Cambridge com o objetivo de medir os níveis de dopamina no cérebro dos macacos, que foram distribuídos em três grupos: no primeiro, o macaco recebia a recompensa a cada quatro estímulos (25%); no segundo grupo, recebia a recompensa três vezes em quatro (75%); no último, recebia uma em duas vezes (50%). O macaco mais indefinido quanto à recompensa apresentou um nível de dopamina que indicou um alto grau de excitação.

          Teoria da Informação e Semiótica

          Segundo os fundamentos da Teoria da Informação, preconiza-se que a informação máxima ocorre quando apresentam-se determinados eventos independentes entre si; e que no estado caótico estaria a máxima informação. EPSTEIN (2003, P. 259) lembra que

          A Teoria da Informação (TI) ou Teoria Matemática da Comunicação, assim denominada por seu criador Claude Shannon (SHANNON & WEAVER, 1975), foi formulada como uma teoria matemática destinada a auxiliar a solução de certos problemas de otimização do custo da transmissão de sinais. Sua definição de quantidade de informação ou redução de incerteza é axiomática e equacionada a partir de dois conceitos matemáticos: a probabilidade e a função logarítmica.

           Na tentativa de interpretarmos as estratégias discursivas utilizadas no artigo que tomamos como exemplo de comunicação interpares, podemos inferir no próprio título utilizado uma menção à Teoria da Informação: Codificação distinta de probabilidade e incerteza de recompensa pelos neurônios dopamina. Se os termos probabilidade e incerteza foram utilizados para aludir a recompensa – e aqui podemos recordar as teorias de Pavlov citadas anteriormente, também trazem consigo uma significação que remete às premissas da Teoria da Informação. Para EPSTEIN (2003, p. 260) A quantidade de informação definida pela TI é proporcional à medida de redução de incerteza produzida pela recepção de um sinal. Esta redução é, por sua vez, inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência deste sinal, isto é, de sua freqüência. Em suma, quanto mais freqüente um sinal, menos informativo.

          Se os macacos utilizados na experiência de Cambridge foram submetidos a um condicionamento de seus reflexos, também podemos afirmar que na tentativa de avaliar os níveis de neurônios dopamina produzidos no cérebro destes animais foram aproveitados ensinamentos derivados da Teoria da Informação, como constatamos no exemplo abaixo (SCIENCE, 21/03/2003, p. 1898):

          O cérebro continuamente faz predições e compara resultados (ou dados) com aquelas predições. As predições estão fundamentalmente ocupadas com a probabilidade de que um evento vá ocorrer dentro de um período de tempo especificado. É apenas através de uma rica representação de probabilidades que um animal pode inferir a estrutura de seu meio e formar associações entre eventos correlacionados. Evidência substancial indica que os neurônios dopamina do mesencéfalo ventral do primata codificam erros na predição de recompensa. No caso simplificado em que a quantidade e o tempo em que ocorre a recompensa são mantidos constantes, o erro de predição é a discrepância entre a probabilidade P com a qual a recompensa é prevista e o resultado real (recompensa ou nenhuma recompensa). Desta maneira, se os neurônios dopamina codificam erro de predição de recompensa, sua ativação depois da recompensa deveria declinar monotonicamente na medida em que aumenta a probabilidade de recompemsa. Contudo, em variando-se a probabilidade de erro dentro de seu âmbito total (P=0 a 1), um parâmetro fundamentalmente distinto é introduzido. A incerteza é máxima em P=0,5 mas ausente nos dois extremos (P=0 e 1) e é crucial em avaliar a exatidão de uma predição. Nós examinamos a influência da probabilidade e incerteza de recompensa na atividade dos neurônios dopamina de primatas.

          Consideramos que a Teoria da Informação também pode ser empregada nesta nossa reflexão no que se refere à divulgação científica propriamente dita, tanto no artigo primário (Science) quanto no intermediário (Ciência Hoje), para nos auxiliar a compreender diferenças pontuais entre a ciência feita e a ciência em se fazendo. Do ponto de vista científico, ainda faz-se necessário confirmar estes eventos ora empreendidos em Cambridge (SCIENCE, 21/03/2003), o que ganha visibilidade em termos como sugere, possível, evidência substancial indica, tendeu a, possa ter sido, indicando que, parece estar relacionada, dados indicam que, levanta a possibilidade de que, resultados presentes sugerem que, poderia agir, poderia mediar... Em nosso texto de divulgação científica intermediária (CIÊNCIA HOJE, maio de 2003), parece-nos que as incertezas quanto aos experimentos foram resguardadas, sendo evidenciadas em termos como poderão ajudar, poderá também levar, indicaram, parece ser apenas parcialmente verdadeiro, a continuidade das pesquisas nessa área ajudará a compreender melhor, além do próprio título: Apostas no macaco. Em suma, são eventos que apontam para determinadas evidências, as quais ainda necessitam de confirmação. Assim, tanto no que se refere ao experimento em si quanto na sua divulgação na forma primária e intermediária, concordamos com EPSTEIN (1997, P. 25) quando afirma que A teoria da informação apenas permite computar o valor da quantidade de informação correlata á raridade relativa do sinal ou evento em relação ao repertório supostamente conhecido de eventos ou sinais.

          De outro lado, partimos da tradução intersemiótica, conceito cunhado por JAKOBSON (1969, p. 139) para designar as modificações que sofre o discurso que expressa o mesmo fato em universos cognitivos diversos, para nos determos no modelo teórico preconizado por HJELMSLEV (1971) e retomado por BARTHES (1971), na identificação de elementos retóricos na tradução da comunicação primária para a intermediária.

          Para Roland BARTHES (1997) , qualquer sistema de significação comporta um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C), sendo que a significação coincide com a relação (R) entre os dois planos: E R C. Na hipótese de que este sistema se transforme no elemento de um segundo sistema, teremos dois sistemas de significação, conectados um ao outro, mas também independentes, um em relação ao outro. Assim ocorre com nossos artigos de comunicação primária e intermediária, sendo anexos um ao outro, mas ao mesmo tempo autônomos. BARTHES (1997, P. 95), entretanto, afirma que a autonomia entre os dois sistemas de significação pode ocorrer de duas maneiras diferentes, segundo o ponto de inserção do primeiro sistema no segundo, dando lugar assim a dois conjuntos opostos. Ele explica que:

          No primeiro caso, o sistema (E R C) torna-se o plano de expressão ou significante do segundo sistema:

          2                                            E                                        R                                   C

          1                                            ERC

          ou ainda: (E R C) R C. Trata-se do que Hjelmslev chama Semiótica conotativa; o primeiro sistema constitui então o plano de denotação e o segundo sistema (extensivo ao primeiro) o plano de conotação.

          Por conotação podemos entender como aquelas idéias e associações que se somam ao sentido original de uma palavra ou expressão, para que sejam complementadas ou para que seja mais precisa a sua aplicação num determinado contexto. Tudo aquilo que podemos atribuir a uma palavra para além do seu sentido imediato e dentro de certa lógica discursiva, entra no domínio da conotação.

          Já a denotação pode ser compreendida como aquilo a que uma palavra ou expressão se aplica no seu stricto sensu. Normalmente opõe-se à conotação e é muitas vezes tomada como o sentido literal de uma palavra, tendo sua definição corrente como "a palavra em estado de dicionário", mas devemos sempre levar em conta o seu uso num contexto particular, bem como que sua concretização cultural pode ultrapassar o limiar da expressão lingüística.

          Segundo BARTHES (1977, p. 359), em literatura, que é uma ordem da conotação, não há questão pura: uma questão nunca é senão a sua própria resposta esparsa, dispersa em fragmentos entre os quais o sentido funde e foge simultaneamente.

          Louis HJELMSLEV (1971) introduziu o conceito de conotação na discussão lingüística, para aludir à capacidade que qualquer signo lingüístico tem de receber novos significados, que se agregam ao sentido original, tomando este como referência contida nos dicionários, por exemplo. ECO (2003, p. 387) lembra que, Segundo Hjelmslev, além das línguas naturais, dever-se-iam individuar outros sistemas de signos (traduzíveis em seguida no sistema da língua natural), e esses sistemas seriam semióticas. As semióticas dividir-se-iam em denotativas e conotativas. E Roland BARTHES (1997) introduziu, por sua vez, no âmbito da semiologia, a idéia de várias ordens de significação ou níveis de sentido: a primeira ordem de significação é a denotação (um signo é composto por um significante e por um significado); a segunda ordem de significação é a conotação (usa-se o primeiro signo – significante mais significado – como significante ao qual se acrescentam outros significados).

          Para Umberto ECO (2003, p. 27), Com base num dado código, um significante denota, portanto, um significado. A relação de denotação é uma relação direta e unívoca, rigidamente fixada pelo código; (...) A relação de conotação se estabelece quando um par formado pelo significante e pelo significado denotado, conjuntamente, se torna o significante de um significado adjunto. Ele adverte, entretanto, que (2003, p. 45) embora ao nível do código denotativo de base possamos (graças ao controle do contexto e das circunstâncias) reduzir as hesitações, estas subsistem sem entraves ao nível dos léxicos conotativos.

          Sob a análise de uma matriz de Comunicação, na qual entende-se que o discurso científico primário passa a ser uma semiótica denotativa e o intermediário uma semiótica conotativa, sendo estas comunicações um processo no qual desdobram-se também as dimensões semióticas, EPSTEIN (2003, p. 86/87) propõe o seguinte esquema para situarmos as comunicações primária e secundária:

          SE=Significante SO=Significado

Semiótica Denotativa (Sistema real) SE1 = Discurso científico, fórmulas, enunciados, teorias SO1 = Fenômenos e suas inter-relações Comunicação Primária

          Fig. 1

Metalinguagem SE2 SO2 HJELMSLEV , 1975 Comunicação secundária
 

          SE1

          SO1

   

          Fig. 2

Conotação SE3 = Retórica SO3= Fragmento de ideologia BARTHES, 1974
 

SE2

 SO2

   
   

SE1

SO1

   

          Fig. 3

          Estamos considerando nosso texto de divulgação científica publicado pela revista Science (2003) como próprio de uma semiótica denotativa (figura 1), no qual todo o procedimento e a conseqüente retórica utilizada pelos pesquisadores, estão baseados em fatos da ciência e suas leis, como podemos verificar no seguinte trecho:

          Dois macacos foram condicionados em um procedimento Pavloviano com estímulos visuais distintos, indicando a probabilidade (P=0; 0,25; 0,5; 0,75 e 1.0) de recompensa líquida sendo fornecida dentro de um intervalo de 2 segundos. Reações antecipatórias de salivação durante o intervalo entre o estímulo e a recompensa aumentaram com a probabilidade de recompensa, indicando que os animais discriminavam os estímulos comportamentalmente. Entretanto, em nenhuma das probabilidades intermediárias, houve uma diferença na quantidade de salivação antecipatória entre as tentativas recompensadas e não recompensadas. Isto sugere que a expectativa de recompensa não variou significativamente na base tentativa-a-tentativa como um resultado de o macaco ter aprendido a programação de recompensa.

          Transformando-se ou "traduzindo-se" num texto de comunicação intermediária, como o que tomamos como exemplo publicado por Ciência Hoje (2003), aparece um segundo discurso com características da função metalingüística (figura 2). E, pela ação da retórica ao texto primário, no que chamamos tradução intersemiótica, configura-se a semiótica conotativa (figura 3).

          Segundo SANCHES (2000, P. 379), na tarefa de informar os leitores comuns a respeito dessa inovação do mundo da ciência, o jornalista de divulgação científica, procede à tradução intersemiótica dessas comunicações, para que elas possam ser mais facilmente compreendidas pelo público. No exemplo particular que estamos analisando na revista Ciência Hoje, considerado de divulgação intermediária, a divulgação é feita por um médico que, ao tornar acessível a linguagem, assinala nela elementos predominantes de conotação. Sendo médico psiquiatra e pertencendo a um dos dois únicos ambulatórios públicos que tratam do jogo patológico na capital paulista – Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Universidade Federal de São Paulo (PROAD – Unifesp), maximizou a importância de um dos pontos apresentados pelos cientistas de Cambridge, impondo sobre ele um sentido superelevado. De acordo com SANCHES (2003, p. 373) essa tradução da comunicação primária para a secundária consiste na decodificação da linguagem científica em linguagem ordinária, o que permite a detecção de fragmentos do ideário do divulgador a partir da identificação de significantes retóricos. O aproveitamento deste ensejo pode ser verificado no trecho:

          Estariam as pessoas aficcionadas aos jogos de azar agindo por uma espécie de condicionamento bioquímico? Acredita-se que nos seres humanos a via final comum do reforço e da recompensa no cérebro seja a via dopaminérgica mesolímbica – alguns até a consideram como o ‘centro do prazer’ do cérebro e a dopamina como ‘o neurotransmissor do prazer’.

          Funções da linguagem

          De acordo com os objetivos traçados para este nosso estudo, quais sejam de verificar as estratégias discursivas em artigo de divulgação científica primária, publicado na revista Science, e em artigo de divulgação científica intermediária, publicado na revista Ciência Hoje, originado pelo primeiro, vamos agora nos deter sobre funções da linguagem. O termo foi cunhado pelos lingüistas para designar as diversas finalidades as quais os discursos se prestam. Entre seus estudiosos, Roman Jakobson formou o modelo mais adotado atualmente, tendo relacionado as funções da linguagem aos elementos indispensáveis a toda comunicação. EPSTEIN (2003, p. 151) relembra estas funções apontadas por Jakobson da seguinte forma:

                                                   FUNÇÃO REFERENCIAL

                                                              Contexto

                        (FUNÇÃO EMOTIVA)        (FUNÇÃO POÉTICA)      (FUNÇÃO CONATIVA)

                            remetente                           mensagem                       destinatário

                                                           FUNÇÃO FÁTICA

                                                                 contato

                                               FUNÇÃO METALINGUÍSTICA

                                                            Código

          Ao considerarmos numa primeira análise que a ciência é denotativa, temos a predominância da função referencial da linguagem na comunicação primária, considerada a mais comum de todas, voltando-se para a própria informação e ao contexto. Prevalece na maioria dos textos, uma vez que a finalidade principal de todo ato de comunicação é transmitir informações. Do artigo que tomamos como base, podemos extrair o seguinte trecho para exemplificar (SCIENCE, 2003):

          Neurônios dopamina de áreas do mesencéfalo ventral A8, A9 e A10 foram identificados unicamente a partir de características eletrofisiológicas descritas previamente, especialmente o longo formato de onda de seus impulsos (1.5 a 5.0 ms – milésimos de segundo). As análises apresentadas aqui são para toda a população de neurônios dopamina experimentados, sem a seleção pela presença de qualquer reação relacionada ao evento. Os neurônios dopamina (n=188) apresentaram pouca ou nenhuma reação à recompensa completamente previsível (P=1,0), mas eles apresentaram as ativações fásicas típicas (8-10) quando a recompensa era entregue com P<1.0, mesmo depois de muito treinamento.

          A expressão lingüística ultrapassa este limiar quando o sentido obtido virá através de uma conotação, uso que Jakobson atribui à função poética da linguagem. No próprio título de nosso artigo de comunicação intermediária podemos encontrar um exemplo: Apostas no macaco utiliza uma linguagem persuasiva, diferente daquela utilizada pelos cientistas para nos trazer convencimento. Através da persuasão, suplementa-se o sentido da própria mensagem, como podemos observar no trecho que segue (CIÊNCIA HOJE, 2003):

          O que levaria um indivíduo a tornar-se um jogador patológico? O que faria com que perdesse o controle diante de um jogo aparentemente tão inocente como o bingo, que nos lembra as prosaicas quermesses de igreja?

          No mesmo texto é ainda possível apontar a importância da função fática, a qual é centrada no contato físico ou psicológico e engloba tudo o que serve para estabelecer, manter ou cortar contato. São exemplos disso a diagramação que envolve o título e o desenho de uma cartela de bingo ao lado – a palavra "apostas", somada à cartela, contém grande significação e denotam plurivocidade, visando atrair uma audiência. O contrário aparece na linguagem direta, referencial que encontramos na mensagem do texto da Science, complementada pelos gráficos e figuras, essencialmente unívoca e dirigida a uma audiência geralmente cativa.

          Considerações finais

          Através do emprego do referencial teórico da Semiótica, da Teoria da Informação e das Figuras da Linguagem, pudemos identificar diferentes elementos nos interstícios de ambos os textos analisados, que nos auxiliaram a melhor compreender as estratégias discursivas empregadas na comunicação primária e na comunicação secundária. Além disso, também ficou clara a diferença existente no modo de comunicar a ciência do cientista e do divulgador, a qual perpassa a maneira como os estudos e pesquisas são trazidos aos diferentes públicos.

          Referências bibliográficas

BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo: Cultrix, 1997, 15ª. Edição.

ECO, Umberto. A estrutura ausente. São Paulo: Perspectiva, 2003, 7ª. Edição.

ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 2003, 9ª. Edição.

EPSTEIN, Isaac. Divulgação científica: 96 verbetes. São Paulo: Pontes, 2002.

EPSTEIN, Isaac. O signo. São Paulo: Ática, 2002, 7ª. Edição.

EPSTEIN, Isaac. Os possíveis efeitos negativos devido à publicação prematura de notícia inesperada ou "novidade" na divulgação científica em medicina. O caso da bactéria Chlamydia. In: Comunicação e Sociedade, São Bernardo do Campo: UMESP, 1997, n. 27.

SANCHES, Conceição. Discursos midiáticos sobre o Viagra. In: Mídia e Saúde, São Paulo: UNESCO/UMESP, 2001.

          Revistas

Science, 21/03/2003, pp. 1.898-1.902.

Ciência Hoje, maio de 2003, vol. 33, n. 193.

 

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Sônia Schena Bertol
UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, doutoranda.

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